O fio narrativo do primeiro e último filme das quatro obras que compreendem este momento na vida do diretor são mais significativos em sua idéia geral, pois ambos exploram o percurso como um todo, enquanto em Elefante e Últimos Dias, este percurso não atingirá seu desenvolvimento final, o do reconhecimento de si mesmo, resultando apenas em tragédia e morte. No caso do primeiro, que tem por personagem central uma estrutura social, iremos do pacato cotidiano a uma tragédia fria, cujo desenrolar é ao espectador apenas “natural”. O filme baseado no famoso músico explora a desconexão do personagem-central com o mundo, sem apresentar um momento anterior de norteamento (figurado apenas em seus amigos e groupies), ou um posterior de reencontro, pois o fim aqui é a morte física, e só um misticismo meio-sério, meio-irônico se apresenta como salvação. Mas esta salvação metafísica, que ora surge tentadora em planos de todos estes filmes, Gus Van Sant não se agarra a ela: o diretor não filma horizontes. Melhor dizendo, seus horizontes jamais estão em foco. Quando os horizontes encontram foco, deixam de ser distantes e se tornam próximos, banalizam-se. No último plano do deserto em Gerry, o horizonte entra em foco mostrando que a saída do deserto está logo alí na frente. Em Paranoid Park, a pista de skate – o grande horizonte sublimado do filme – não é um sonho, mas um pesadelo, pois é real e próxima.
O foco é o recurso de desmundanização. É através dele, principalmente, que Gus Van Sant desenhará a finitude e, progressivamente, em Gerry o deslocamento da paisagem ao indivíduo. A medida que o filme avança, que o Gerry-personagem perde sua referência maior, a idéia de Gerry, o elemento norteador e divinizado, os planos-sequências deslocam o foco e tornam a paisagem em um quadro abstrato onde os delineados se borram, e o mundo desmundaniza. Após a angústia, que Heidegger identifica como o estado existencial de desmundanização, onde o cotidiano é rompido e esvaziado, e onde se dá a abertura do homem à essência, Gus Van Sant nos direciona uma resposta não tão distinta de grande parte do cinema contemporâneo: o que a angústia nos abre é o conhecimento de si mesmo – senão podemos dar conta da paisagem, agarremo-nos no indivíduo. É isto que nos indica o plano-final, a panorâmica que vai da paisagem em movimento da janela do carro ao rosto de Gerry, percorrendo a fisionomia também do filho e do pai que lhe dão carona; também é o sentido das sequências finais de Paranoid Park, quando, após queimar suas anotações, o jovem skatista conversa com sua amiga: tanto Gerry quanto o jovem romperam com norteamentos exteriores, seja o estilo de vida da geração MTV, dos groupies de Rock, dos esteriótipos colegiais, ou apenas da simplificada palavra “Gerry”, e após a desmundanização e a individualização, já podem novamente se colocar no mundo de modo pleno.Sunday, March 22, 2009
Cinema de Desmundanização
De Gerry a Paranoid Park, Gus Van Sant explora com riqueza um percurso violento na existência de seus personagens, que transitam da idéia de norteamento e pertencimento a um universo familiar, à desmundanização deste espaço e o deparar-se com o vazio infinito típico dos filmes de Antonioni, até um suposto terceiro momento onde acontece o reencontro do indivíduo consigo mesmo. Nesta transição vivenciada por estes personagens, os recursos fotográficos são responsáveis por exprimir este “esvaziamento” do mundo, e o diretor norte-americano não hesitará em recorrer a uma idéia fotográfica um tanto primitiva, aqui ressignificada e não-esgotada: o foco.
Saturday, March 21, 2009
Curtas na PUC
Os filmes produzidos para as cadeiras de Projeto de Filme 1 e Filme 2 serão exibidos semana que vem na PUC. As sessões, apesar de alguns filmes não estarem finalizados, serão abertas e seguidas de debates.
Os curtas de ficção, produzidos em Projeto de Filme 2, ainda não tem horário confirmado. A programação das produções de Projeto 1 (documentários) é a que segue:
Dia 26/04, quinta-feira, às 9h no auditório do RDC:
Anotações em novembro (Pedro Ferreira e Maria Eduarda Castro, 31 min)
Anotações sobre as ruas da cidade do Rio de Janeiro.
VARIG (Fábio Hansen, 14min)
O passado, o presente e os sonhos dos funcionários que fizeram parte da Varig.
A parte do operário (José Sérgio Junior, 23min)
Dois operários de diferentes gerações refletem sobre a profissão, as escolhas que fizeram e a situação em que se encontram.
De margem à margem (Ricardo Magalhães, 24min)
O movimento da cidade para o campo, através de dois personagens que fazem caminhos diferentes, Humberto Soares e Gustavo Praça.
De cara limpa (André De Franco e Sabrina Gregori, 27min)
Como os comediantes da comédia stand up se inspiram para desenvolver seus pontos de vista nas apresentações.
Walter Lima Júnior - a vida inspira a arte (Marcelo Feijó, 25min)
Um retrato da paixão de Walter Lima Júnior pelo cinema.
Darlan e Liana (Matheus Souza e Julia Ramil, 8 min)
Darlan e Liana são portadores de necessidades especiais. Um casal de namorados como outro qualquer.
Para inglês ver (Vitor Granado e Robson Ribeiro, 25min)
Conduzidos por jipes e guias, turistas estrangeiros anseiam por descobrir o "exótico" universo da favela.
Clara (Bruna Domingues e Flora Diegues, 19min)
"Clara" conta a jornada mágica de dois personagens em busca de sua autora: Maria Clara Machado.
Os filmes foram produzidos sob orientação do professor José Mariani no segundo semestre de 2008.
Os curtas de ficção, produzidos em Projeto de Filme 2, ainda não tem horário confirmado. A programação das produções de Projeto 1 (documentários) é a que segue:
Dia 26/04, quinta-feira, às 9h no auditório do RDC:
Anotações em novembro (Pedro Ferreira e Maria Eduarda Castro, 31 min)
Anotações sobre as ruas da cidade do Rio de Janeiro.
VARIG (Fábio Hansen, 14min)
O passado, o presente e os sonhos dos funcionários que fizeram parte da Varig.
A parte do operário (José Sérgio Junior, 23min)
Dois operários de diferentes gerações refletem sobre a profissão, as escolhas que fizeram e a situação em que se encontram.
De margem à margem (Ricardo Magalhães, 24min)
O movimento da cidade para o campo, através de dois personagens que fazem caminhos diferentes, Humberto Soares e Gustavo Praça.
De cara limpa (André De Franco e Sabrina Gregori, 27min)
Como os comediantes da comédia stand up se inspiram para desenvolver seus pontos de vista nas apresentações.
Walter Lima Júnior - a vida inspira a arte (Marcelo Feijó, 25min)
Um retrato da paixão de Walter Lima Júnior pelo cinema.
Darlan e Liana (Matheus Souza e Julia Ramil, 8 min)
Darlan e Liana são portadores de necessidades especiais. Um casal de namorados como outro qualquer.
Para inglês ver (Vitor Granado e Robson Ribeiro, 25min)
Conduzidos por jipes e guias, turistas estrangeiros anseiam por descobrir o "exótico" universo da favela.
Clara (Bruna Domingues e Flora Diegues, 19min)
"Clara" conta a jornada mágica de dois personagens em busca de sua autora: Maria Clara Machado.
Os filmes foram produzidos sob orientação do professor José Mariani no segundo semestre de 2008.
Friday, March 20, 2009
"Elefante" e órbitas
É de uma câmera em giratória que vemos um elefante desenhado, um pequeno detalhe, na parede do quarto de Alex Frost. Neste lugar periférico o elefante é menor, locado nos cantos da percepção dos garotos cuja vida é também orbital, centrífuga em relação aos principais da escola.
E é de órbitas e centros que percebo a estrutura (novamente, a considerar Gerry) espacial do filme de Van Sant. Os personagens gravitam em torno de um núcleo, o evento chacina, que é reforçado como tal pela montagem circular reiniciada a cada encontro no corredor - que reforçam, por sua vez, a existência do elefante dentro, e não fora da escola. No denso que é consequência do esparso exterior - lembro das cenas fluidas no gramado, de John guardando os passantes de entrarem na escola, do desértico jogo de video-game...
A aula de física atômica é especialmente metafórica. O professor fala da energia dos elétrons, seu amorfismo e ação cinética em relação a um núcleo estático. O núcleo, a essência, a verdade pequena ou grande, o fim, é o elefante da parábola budista: o que cegos, podendo tocar apenas (?) em partes distintas, interpretam cada uma com um significado próprio, destituído de um (pois formador de um novo) todo.
Plasticamente, é bonito como ele imprime este amorfismo com a sempre desfocadíssima imagem além dos personagens, com o relativamente baixo contraste entre interior e exterior. A câmera transita fácil e levemente, atendendo e anulando (artificializando?) as velocidades pedidas pelos assuntos.
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Em Milk, Gus Van Sant precisa ou quer sair desse registro vago. Sai para uma missão teleológica. É a idéia de carreira, de culminar em certo ponto, de entrar ou sair de órbita que vêm agora - num eco mais ou menos encomendado da saga de Obama. Depois da trilogia da morte e Paranoid Park, e de uma década letárgica, é espelho de vida apesar dos traumas passados.
E é de órbitas e centros que percebo a estrutura (novamente, a considerar Gerry) espacial do filme de Van Sant. Os personagens gravitam em torno de um núcleo, o evento chacina, que é reforçado como tal pela montagem circular reiniciada a cada encontro no corredor - que reforçam, por sua vez, a existência do elefante dentro, e não fora da escola. No denso que é consequência do esparso exterior - lembro das cenas fluidas no gramado, de John guardando os passantes de entrarem na escola, do desértico jogo de video-game...


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Em Milk, Gus Van Sant precisa ou quer sair desse registro vago. Sai para uma missão teleológica. É a idéia de carreira, de culminar em certo ponto, de entrar ou sair de órbita que vêm agora - num eco mais ou menos encomendado da saga de Obama. Depois da trilogia da morte e Paranoid Park, e de uma década letárgica, é espelho de vida apesar dos traumas passados.
Monday, March 16, 2009
"Gerry" em dois plano-sequências
Em "Gerry", o Gus Van Sant utiliza bastante o recurso do plano-sequência e eu escolhi dois desses momentos para tentar entender a relação que o diretor faz entre a forma e o conteúdo e como consegue imprimir um estilo, um olhar particular através de dois plano-sequências distintos.

O primeiro é o “plano da pedra”. Depois de se perderem, Matt Damon e Casey Affleck se reencontram, o segundo em cima de uma pedra alta e isolada e o outro embaixo. Casey precisa descer, mas eles não sabem ainda como. A cena dura um pouco mais de dez minutos, toda filmada com a câmera parada em um ponto, um plano-sequência imóvel. Além da tensão óbvia de “(como) será que ele vai conseguir descer?”, existe uma tensão visual, a pedra grande e volumosa contra o chão raso de areia; no canto esquerdo, o sol brilhando contrastando com a sombra do resto do quadro. Ainda há uma tensão da encenação, pois ambos atores variam da improvisação a um texto fiel a ser seguido. Depois de dois minutos com a câmera fixa, não se sabe o quanto parte de um “roteiro” ou da própria imaginação. Não vira um conflito, mas atinge esse (falso) limiar entre o que seria “ficcional” ou “documental”. Se toda ficção é um documentário sobre sua realização (na banalizada frase do Jacques Rivette), esse plano seria uma perfeita ilustração. Idealizado pelos dois amigos atores, o início do filme não passa de uma pura brincadeira entre os dois e Gus Van Sant (materializado na câmera, na direção); nesse plano-sequência, fica claro o tom jocoso, que vai se desenrolando até que tudo indica que o Casey Affleck vai realmente se jogar da pedra, causando uma tensão, mal-estar, desespero e riso nervoso.

O próximo plano-sequência é móvel e se dá num momento posterior, quando a relação entre os dois começa a se conturbar. Os dois estão andando lado a lado, enquanto a câmera acompanha num travelling lateral em close. Eles começam em ritmo igual, mesmas passadas, criando uma sensação áudio e visual hipnotizante. O desenrolar do plano (de mais ou menos quatro minutos) também tende ao nervosismo, a situação não avança, a posição dos dois dentro do quadro não muda, eles andam e não saem do lugar. Sentimos o respiro, o passo, o movimento vertical dentro do plano horizontal. Um descuido de Casey Affleck e a câmera não o espera, segue no travelling, ele que tem que voltar. O compasso se perde: é o início do desentendimento que só vai aumentando. Nesse plano, a relação do espectador com o espaço e o tempo também começa a ficar mais delicada, e o plano mesmo formaliza essa questão: depois de uns três minutos no mesmo movimento, os dois saem de quadro e tudo o que resta é o segundo plano completamente fora de foco, uma abstração visual representando a abstração espaço-temporal:

O primeiro é o “plano da pedra”. Depois de se perderem, Matt Damon e Casey Affleck se reencontram, o segundo em cima de uma pedra alta e isolada e o outro embaixo. Casey precisa descer, mas eles não sabem ainda como. A cena dura um pouco mais de dez minutos, toda filmada com a câmera parada em um ponto, um plano-sequência imóvel. Além da tensão óbvia de “(como) será que ele vai conseguir descer?”, existe uma tensão visual, a pedra grande e volumosa contra o chão raso de areia; no canto esquerdo, o sol brilhando contrastando com a sombra do resto do quadro. Ainda há uma tensão da encenação, pois ambos atores variam da improvisação a um texto fiel a ser seguido. Depois de dois minutos com a câmera fixa, não se sabe o quanto parte de um “roteiro” ou da própria imaginação. Não vira um conflito, mas atinge esse (falso) limiar entre o que seria “ficcional” ou “documental”. Se toda ficção é um documentário sobre sua realização (na banalizada frase do Jacques Rivette), esse plano seria uma perfeita ilustração. Idealizado pelos dois amigos atores, o início do filme não passa de uma pura brincadeira entre os dois e Gus Van Sant (materializado na câmera, na direção); nesse plano-sequência, fica claro o tom jocoso, que vai se desenrolando até que tudo indica que o Casey Affleck vai realmente se jogar da pedra, causando uma tensão, mal-estar, desespero e riso nervoso.

O próximo plano-sequência é móvel e se dá num momento posterior, quando a relação entre os dois começa a se conturbar. Os dois estão andando lado a lado, enquanto a câmera acompanha num travelling lateral em close. Eles começam em ritmo igual, mesmas passadas, criando uma sensação áudio e visual hipnotizante. O desenrolar do plano (de mais ou menos quatro minutos) também tende ao nervosismo, a situação não avança, a posição dos dois dentro do quadro não muda, eles andam e não saem do lugar. Sentimos o respiro, o passo, o movimento vertical dentro do plano horizontal. Um descuido de Casey Affleck e a câmera não o espera, segue no travelling, ele que tem que voltar. O compasso se perde: é o início do desentendimento que só vai aumentando. Nesse plano, a relação do espectador com o espaço e o tempo também começa a ficar mais delicada, e o plano mesmo formaliza essa questão: depois de uns três minutos no mesmo movimento, os dois saem de quadro e tudo o que resta é o segundo plano completamente fora de foco, uma abstração visual representando a abstração espaço-temporal:

Monday, March 02, 2009
Março de 2009 - Gus Van Sant

Nas terças de março, o CinePUC exibirá filmes do cineasta Gus Van Sant. Neste ciclo, será abordada a obra recente de Van Sant, exibindo quatro filmes dirigidos de 2002 a 2007, considerados uma "nova fase" na carreira do diretor.
10/3 - Gerry (2002, 103min)
de Gus Van Sant

17/3 - Elefante (2003, 81min)
de Gus Van Sant

24/3 - Last Days (2005, 97min)
de Gus Van Sant

31/3 - Paranoid Park (2007, 85min)
de Gus Van Sant

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