Monday, March 16, 2009

"Gerry" em dois plano-sequências

Em "Gerry", o Gus Van Sant utiliza bastante o recurso do plano-sequência e eu escolhi dois desses momentos para tentar entender a relação que o diretor faz entre a forma e o conteúdo e como consegue imprimir um estilo, um olhar particular através de dois plano-sequências distintos.


O primeiro é o “plano da pedra”. Depois de se perderem, Matt Damon e Casey Affleck se reencontram, o segundo em cima de uma pedra alta e isolada e o outro embaixo. Casey precisa descer, mas eles não sabem ainda como. A cena dura um pouco mais de dez minutos, toda filmada com a câmera parada em um ponto, um plano-sequência imóvel. Além da tensão óbvia de “(como) será que ele vai conseguir descer?”, existe uma tensão visual, a pedra grande e volumosa contra o chão raso de areia; no canto esquerdo, o sol brilhando contrastando com a sombra do resto do quadro. Ainda há uma tensão da encenação, pois ambos atores variam da improvisação a um texto fiel a ser seguido. Depois de dois minutos com a câmera fixa, não se sabe o quanto parte de um “roteiro” ou da própria imaginação. Não vira um conflito, mas atinge esse (falso) limiar entre o que seria “ficcional” ou “documental”. Se toda ficção é um documentário sobre sua realização (na banalizada frase do Jacques Rivette), esse plano seria uma perfeita ilustração. Idealizado pelos dois amigos atores, o início do filme não passa de uma pura brincadeira entre os dois e Gus Van Sant (materializado na câmera, na direção); nesse plano-sequência, fica claro o tom jocoso, que vai se desenrolando até que tudo indica que o Casey Affleck vai realmente se jogar da pedra, causando uma tensão, mal-estar, desespero e riso nervoso.


O próximo plano-sequência é móvel e se dá num momento posterior, quando a relação entre os dois começa a se conturbar. Os dois estão andando lado a lado, enquanto a câmera acompanha num travelling lateral em close. Eles começam em ritmo igual, mesmas passadas, criando uma sensação áudio e visual hipnotizante. O desenrolar do plano (de mais ou menos quatro minutos) também tende ao nervosismo, a situação não avança, a posição dos dois dentro do quadro não muda, eles andam e não saem do lugar. Sentimos o respiro, o passo, o movimento vertical dentro do plano horizontal. Um descuido de Casey Affleck e a câmera não o espera, segue no travelling, ele que tem que voltar. O compasso se perde: é o início do desentendimento que só vai aumentando. Nesse plano, a relação do espectador com o espaço e o tempo também começa a ficar mais delicada, e o plano mesmo formaliza essa questão: depois de uns três minutos no mesmo movimento, os dois saem de quadro e tudo o que resta é o segundo plano completamente fora de foco, uma abstração visual representando a abstração espaço-temporal:

1 comment:

Atmosfeerica said...

boa decupagem, rodrigerry cratera.

o da pedra é incrível, mesmo. A insinuação (eminência) da morte se coloca ali, em meio a toda impotência, constrangimento e companheirismo (e perigo e distâncias) que estão em jogo no filme todo. E é um plano em que o tempo parece realmente "importar" no filme.