Sunday, March 22, 2009

Cinema de Desmundanização

De Gerry a Paranoid Park, Gus Van Sant explora com riqueza um percurso violento na existência de seus personagens, que transitam da idéia de norteamento e pertencimento a um universo familiar, à desmundanização deste espaço e o deparar-se com o vazio infinito típico dos filmes de Antonioni, até um suposto terceiro momento onde acontece o reencontro do indivíduo consigo mesmo. Nesta transição vivenciada por estes personagens, os recursos fotográficos são responsáveis por exprimir este “esvaziamento” do mundo, e o diretor norte-americano não hesitará em recorrer a uma idéia fotográfica um tanto primitiva, aqui ressignificada e não-esgotada: o foco.

O fio narrativo do primeiro e último filme das quatro obras que compreendem este momento na vida do diretor são mais significativos em sua idéia geral, pois ambos exploram o percurso como um todo, enquanto em Elefante e Últimos Dias, este percurso não atingirá seu desenvolvimento final, o do reconhecimento de si mesmo, resultando apenas em tragédia e morte. No caso do primeiro, que tem por personagem central uma estrutura social, iremos do pacato cotidiano a uma tragédia fria, cujo desenrolar é ao espectador apenas “natural”. O filme baseado no famoso músico explora a desconexão do personagem-central com o mundo, sem apresentar um momento anterior de norteamento (figurado apenas em seus amigos e groupies), ou um posterior de reencontro, pois o fim aqui é a morte física, e só um misticismo meio-sério, meio-irônico se apresenta como salvação. Mas esta salvação metafísica, que ora surge tentadora em planos de todos estes filmes, Gus Van Sant não se agarra a ela: o diretor não filma horizontes. Melhor dizendo, seus horizontes jamais estão em foco. Quando os horizontes encontram foco, deixam de ser distantes e se tornam próximos, banalizam-se. No último plano do deserto em Gerry, o horizonte entra em foco mostrando que a saída do deserto está logo alí na frente. Em Paranoid Park, a pista de skate – o grande horizonte sublimado do filme – não é um sonho, mas um pesadelo, pois é real e próxima.

O foco é o recurso de desmundanização. É através dele, principalmente, que Gus Van Sant desenhará a finitude e, progressivamente, em Gerry o deslocamento da paisagem ao indivíduo. A medida que o filme avança, que o Gerry-personagem perde sua referência maior, a idéia de Gerry, o elemento norteador e divinizado, os planos-sequências deslocam o foco e tornam a paisagem em um quadro abstrato onde os delineados se borram, e o mundo desmundaniza. Após a angústia, que Heidegger identifica como o estado existencial de desmundanização, onde o cotidiano é rompido e esvaziado, e onde se dá a abertura do homem à essência, Gus Van Sant nos direciona uma resposta não tão distinta de grande parte do cinema contemporâneo: o que a angústia nos abre é o conhecimento de si mesmo – senão podemos dar conta da paisagem, agarremo-nos no indivíduo. É isto que nos indica o plano-final, a panorâmica que vai da paisagem em movimento da janela do carro ao rosto de Gerry, percorrendo a fisionomia também do filho e do pai que lhe dão carona; também é o sentido das sequências finais de Paranoid Park, quando, após queimar suas anotações, o jovem skatista conversa com sua amiga: tanto Gerry quanto o jovem romperam com norteamentos exteriores, seja o estilo de vida da geração MTV, dos groupies de Rock, dos esteriótipos colegiais, ou apenas da simplificada palavra “Gerry”, e após a desmundanização e a individualização, já podem novamente se colocar no mundo de modo pleno.

Saturday, March 21, 2009

Curtas na PUC

Os filmes produzidos para as cadeiras de Projeto de Filme 1 e Filme 2 serão exibidos semana que vem na PUC. As sessões, apesar de alguns filmes não estarem finalizados, serão abertas e seguidas de debates.

Os curtas de ficção, produzidos em Projeto de Filme 2, ainda não tem horário confirmado. A programação das produções de Projeto 1 (documentários) é a que segue:

Dia 26/04, quinta-feira, às 9h no auditório do RDC:

Anotações em novembro (Pedro Ferreira e Maria Eduarda Castro, 31 min)
Anotações sobre as ruas da cidade do Rio de Janeiro.

VARIG (Fábio Hansen, 14min)
O passado, o presente e os sonhos dos funcionários que fizeram parte da Varig.

A parte do operário (José Sérgio Junior, 23min)
Dois operários de diferentes gerações refletem sobre a profissão, as escolhas que fizeram e a situação em que se encontram.

De margem à margem (Ricardo Magalhães, 24min)
O movimento da cidade para o campo, através de dois personagens que fazem caminhos diferentes, Humberto Soares e Gustavo Praça.

De cara limpa (André De Franco e Sabrina Gregori, 27min)
Como os comediantes da comédia stand up se inspiram para desenvolver seus pontos de vista nas apresentações.

Walter Lima Júnior - a vida inspira a arte (Marcelo Feijó, 25min)
Um retrato da paixão de Walter Lima Júnior pelo cinema.

Darlan e Liana (Matheus Souza e Julia Ramil, 8 min)
Darlan e Liana são portadores de necessidades especiais. Um casal de namorados como outro qualquer.

Para inglês ver (Vitor Granado e Robson Ribeiro, 25min)
Conduzidos por jipes e guias, turistas estrangeiros anseiam por descobrir o "exótico" universo da favela.

Clara (Bruna Domingues e Flora Diegues, 19min)
"Clara" conta a jornada mágica de dois personagens em busca de sua autora: Maria Clara Machado.

Os filmes foram produzidos sob orientação do professor José Mariani no segundo semestre de 2008.

Friday, March 20, 2009

"Elefante" e órbitas

É de uma câmera em giratória que vemos um elefante desenhado, um pequeno detalhe, na parede do quarto de Alex Frost. Neste lugar periférico o elefante é menor, locado nos cantos da percepção dos garotos cuja vida é também orbital, centrífuga em relação aos principais da escola.

E é de órbitas e centros que percebo a estrutura (novamente, a considerar Gerry) espacial do filme de Van Sant. Os personagens gravitam em torno de um núcleo, o evento chacina, que é reforçado como tal pela montagem circular reiniciada a cada encontro no corredor - que reforçam, por sua vez, a existência do elefante dentro, e não fora da escola. No denso que é consequência do esparso exterior - lembro das cenas fluidas no gramado, de John guardando os passantes de entrarem na escola, do desértico jogo de video-game...

A aula de física atômica é especialmente metafórica. O professor fala da energia dos elétrons, seu amorfismo e ação cinética em relação a um núcleo estático. O núcleo, a essência, a verdade pequena ou grande, o fim, é o elefante da parábola budista: o que cegos, podendo tocar apenas (?) em partes distintas, interpretam cada uma com um significado próprio, destituído de um (pois formador de um novo) todo.

Plasticamente, é bonito como ele imprime este amorfismo com a sempre desfocadíssima imagem além dos personagens, com o relativamente baixo contraste entre interior e exterior. A câmera transita fácil e levemente, atendendo e anulando (artificializando?) as velocidades pedidas pelos assuntos.

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Em Milk, Gus Van Sant precisa ou quer sair desse registro vago. Sai para uma missão teleológica. É a idéia de carreira, de culminar em certo ponto, de entrar ou sair de órbita que vêm agora - num eco mais ou menos encomendado da saga de Obama. Depois da trilogia da morte e Paranoid Park, e de uma década letárgica, é espelho de vida apesar dos traumas passados.

Monday, March 16, 2009

"Gerry" em dois plano-sequências

Em "Gerry", o Gus Van Sant utiliza bastante o recurso do plano-sequência e eu escolhi dois desses momentos para tentar entender a relação que o diretor faz entre a forma e o conteúdo e como consegue imprimir um estilo, um olhar particular através de dois plano-sequências distintos.


O primeiro é o “plano da pedra”. Depois de se perderem, Matt Damon e Casey Affleck se reencontram, o segundo em cima de uma pedra alta e isolada e o outro embaixo. Casey precisa descer, mas eles não sabem ainda como. A cena dura um pouco mais de dez minutos, toda filmada com a câmera parada em um ponto, um plano-sequência imóvel. Além da tensão óbvia de “(como) será que ele vai conseguir descer?”, existe uma tensão visual, a pedra grande e volumosa contra o chão raso de areia; no canto esquerdo, o sol brilhando contrastando com a sombra do resto do quadro. Ainda há uma tensão da encenação, pois ambos atores variam da improvisação a um texto fiel a ser seguido. Depois de dois minutos com a câmera fixa, não se sabe o quanto parte de um “roteiro” ou da própria imaginação. Não vira um conflito, mas atinge esse (falso) limiar entre o que seria “ficcional” ou “documental”. Se toda ficção é um documentário sobre sua realização (na banalizada frase do Jacques Rivette), esse plano seria uma perfeita ilustração. Idealizado pelos dois amigos atores, o início do filme não passa de uma pura brincadeira entre os dois e Gus Van Sant (materializado na câmera, na direção); nesse plano-sequência, fica claro o tom jocoso, que vai se desenrolando até que tudo indica que o Casey Affleck vai realmente se jogar da pedra, causando uma tensão, mal-estar, desespero e riso nervoso.


O próximo plano-sequência é móvel e se dá num momento posterior, quando a relação entre os dois começa a se conturbar. Os dois estão andando lado a lado, enquanto a câmera acompanha num travelling lateral em close. Eles começam em ritmo igual, mesmas passadas, criando uma sensação áudio e visual hipnotizante. O desenrolar do plano (de mais ou menos quatro minutos) também tende ao nervosismo, a situação não avança, a posição dos dois dentro do quadro não muda, eles andam e não saem do lugar. Sentimos o respiro, o passo, o movimento vertical dentro do plano horizontal. Um descuido de Casey Affleck e a câmera não o espera, segue no travelling, ele que tem que voltar. O compasso se perde: é o início do desentendimento que só vai aumentando. Nesse plano, a relação do espectador com o espaço e o tempo também começa a ficar mais delicada, e o plano mesmo formaliza essa questão: depois de uns três minutos no mesmo movimento, os dois saem de quadro e tudo o que resta é o segundo plano completamente fora de foco, uma abstração visual representando a abstração espaço-temporal:

Monday, March 02, 2009

Março de 2009 - Gus Van Sant


Nas terças de março, o CinePUC exibirá filmes do cineasta Gus Van Sant. Neste ciclo, será abordada a obra recente de Van Sant, exibindo quatro filmes dirigidos de 2002 a 2007, considerados uma "nova fase" na carreira do diretor.

10/3 - Gerry (2002, 103min)
de Gus Van Sant


17/3 - Elefante (2003, 81min)
de Gus Van Sant


24/3 - Last Days (2005, 97min)
de Gus Van Sant


31/3 - Paranoid Park (2007, 85min)
de Gus Van Sant