Friday, March 20, 2009

"Elefante" e órbitas

É de uma câmera em giratória que vemos um elefante desenhado, um pequeno detalhe, na parede do quarto de Alex Frost. Neste lugar periférico o elefante é menor, locado nos cantos da percepção dos garotos cuja vida é também orbital, centrífuga em relação aos principais da escola.

E é de órbitas e centros que percebo a estrutura (novamente, a considerar Gerry) espacial do filme de Van Sant. Os personagens gravitam em torno de um núcleo, o evento chacina, que é reforçado como tal pela montagem circular reiniciada a cada encontro no corredor - que reforçam, por sua vez, a existência do elefante dentro, e não fora da escola. No denso que é consequência do esparso exterior - lembro das cenas fluidas no gramado, de John guardando os passantes de entrarem na escola, do desértico jogo de video-game...

A aula de física atômica é especialmente metafórica. O professor fala da energia dos elétrons, seu amorfismo e ação cinética em relação a um núcleo estático. O núcleo, a essência, a verdade pequena ou grande, o fim, é o elefante da parábola budista: o que cegos, podendo tocar apenas (?) em partes distintas, interpretam cada uma com um significado próprio, destituído de um (pois formador de um novo) todo.

Plasticamente, é bonito como ele imprime este amorfismo com a sempre desfocadíssima imagem além dos personagens, com o relativamente baixo contraste entre interior e exterior. A câmera transita fácil e levemente, atendendo e anulando (artificializando?) as velocidades pedidas pelos assuntos.

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Em Milk, Gus Van Sant precisa ou quer sair desse registro vago. Sai para uma missão teleológica. É a idéia de carreira, de culminar em certo ponto, de entrar ou sair de órbita que vêm agora - num eco mais ou menos encomendado da saga de Obama. Depois da trilogia da morte e Paranoid Park, e de uma década letárgica, é espelho de vida apesar dos traumas passados.

3 comments:

Rodrigo Castello Branco said...

"A câmera transita fácil e levemente, atendendo e anulando (artificializando?) as velocidades pedidas pelos assuntos."

Não acho que artificializa, me parece que essa palavra muito ligada a um oposto do que o Van Sant quer. "Elefante" é um contato direto com o real (mas não um "realismo"), a câmera como objeto-dispositivo em favor do filme e de uma ideia de igualdade entre personagens (e narrativas). Uma só velocidade de câmera para as inúmeras velocidades de personages. Tudo no mesmo plano, no mesmo espaço-tempo, agenciado pela movimentação do Savides e da direção do Van Sant.

Atmosfeerica said...

Artificializa? Virtualiza? Não sei. Pra mim essa velocidade uniforme da câmera, de que você falou, é esse atendimento ao mesmo tempo anulação das necessidades dos assuntos/personagens. E isso tem algo sim de artificialização ou mesmo desumanização, que são palavras meio demonizadas no cinema mas que aqui dizem respeito a um tratamento pra lá de sensível do elefante. É uma câmera que torna o video game de repente muito "real", ou muito próximo do que havíamos visto no filme (fotográfico) até então.

Rodrigo Castello Branco said...

Mas se a câmera "atende" e "anula" ela o faz em função do personagem, o que não me parece artificial. Os personagens estão nesse meio termo entre o "fazer" e o "não-fazer".

Muita gente chama o Van Sant de frio e calculista (especialmente no "Elefante"), mas eu não vejo uma desumanização. Eu vejo uma profunda paixão pelo mundo filmado (por mais em colapso que esse esteja), um desejo de entender, de estar perto, de grudar ao corpo. Por isso que acho o "artificial" estranho; embora o "virtual" me soe mais agradável e até cabível em "Gerry", "Last Days", etc, mesmo eu não sabendo como encaixar ou entender seu significado. Acho que tá na assignificação da imagem, como algo que não vai além, sei lá.